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“Existem em todas as unidades federativas do país instituições capazes de responder prontamente às necessidades de sua região geopolítica”

Os professores doutores Marcílio Hubner de Miranda Neto , docente titular do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Estadual de Maringá,  Marcelo Biondaro de Gois, docente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, e Jussara Rocha Ferreira, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, elaboram o texto a seguir no qual apresentam algumas reflexões sobre o papel das universidades públicas frente a uma pandemia como a do coronavírus.

Refletir sobre o papel das universidades públicas implica necessariamente refletir sobre o papel de cada servidor técnico e de cada professor pesquisador e extensionista que atua nas universidades, pois o que uma universidade é ou deveria ser depende em um primeiro momento do que cada um de nós fez ou irá fazer nela, por ela, para a ciência e pela comunidade. Temos também que nos perguntar neste momento de angústia provocado pela pandemia o que podemos fazer sem a ajuda do governo e o que podemos fazer a mais caso como efeito colateral da pandemia os governantes abram os olhos sobre a importância que as ações de ensino, pesquisa e extensão podem ter nesse momento.

Não queremos refletir sobre o “desmonte” que vem acontecendo ao longo dos anos, neste momento queremos refletir sobre o que podemos fazer com o que não foi desmontado em termos de equipes e de estrutura física e com algo muito importante que nenhum governante pode tirar de nós - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO - que adquirimos durante o curso de graduação, mestrado, doutorado e em muitos casos pós-doutorados.

Atribuir aos governos toda a responsabilidade é atribuir a cada servidor público a responsabilidade, pois cada servidor é governo na ponta. Neste momento da quarentena o que estamos fazendo pela comunidade que paga os impostos que compõe o orçamento público que paga os nossos salários? Será que podemos apenas nos isolar do mundo ou temos uma obrigação maior a cumprir uma vez que fazemos parte da elite intelectual dessa nação paga pelo povo para ensinar, pesquisar e fazer extensão universitária?

Com a finalidade de prevenir a disseminação e mitigar os efeitos do coronavírus na comunidade acadêmica e na sociedade em geral, os gestores das universidades públicas devem propor e executar um Plano de Contingência (muitas universidades estão executando tais planos), no qual todos os segmentos da gestão pública, no âmbito das universidades, incluindo o gabinete da reitoria e as pró-reitorias de ensino, pesquisa, extensão e planejamento, sejam mobilizados para identificar as atividades acadêmicas e administrativas consideradas prioritárias ou estratégicas e garantir que as mesmas sejam mantidas, considerando as circunstâncias que caracterizem imprescindibilidade em que se adotará o regime presencial e aquelas que poderão ser realizadas em regime de home office. Em geral, atividades prioritárias ou estratégicas são aquelas que não devem ser interrompidas ou paralisadas, como a oferta de serviços voltados para a atenção básica em saúde, os programas de residência em saúde e o pagamento de bolsas de permanência, destinadas aos discentes. Caso isto ocorra, os prejuízos à instituição e à sociedade em geral, que nos financia, serão ainda maiores.

O Plano de Contingência também deve incluir medidas administrativas a fim de minimizar os efeitos da interrupção das atividades acadêmicas e administrativas presenciais e proporcionar um fluxo contínuo de notícias a toda comunidade por meio de sites, e-mails e redes sociais com informações precisas, oficiais e confiáveis, com o objetivo de informar e reduzir o pânico causado pelas “Fake News”.

Os pesquisadores de diferentes áreas de Biologia e da Saúde que possuem condições de contribuir com pesquisas sobre o vírus causador da pandemia, sobre possíveis medicamentos e tratamentos para os que adoecerem e sobre uma vacina, devem contar com todo o apoio necessário para atuar intensamente em seus laboratórios  e também lendo e buscando fazer metanálises das diversas pesquisas realizadas em diferentes instituições para poder contribuir de alguma forma.

Os servidores docentes e não docentes que atuam nos hospitais universitários têm à sua frente uma dura batalha no atendimento aos casos graves de COVID19 [1]  que ocuparão os leitos no apogeu da pandemia. Além disso, o registro sistematizado dos tratamentos empregados, da evolução dos pacientes e das estratégias empregadas por toda a equipe hospitalar neste momento de intensa crise devem gerar publicações em linguagem científica e leiga que contribuam para a compreensão dessa doença e do seu enfrentamento no nível hospitalar.

Docentes dos cursos das áreas da saúde podem também colaborar na capacitação de profissionais para lidar com a pandemia e também atuar e coordenar projetos de pesquisa e extensão relacionados à pandemia.

Quanto aos pesquisadores das áreas biológica e da saúde que não trabalham com pesquisas relacionadas ao vírus ou seu tratamento, podem ler e fazer metanálises, resumir e transformar em linguagem popular os principais resultados de pesquisas que vem sendo realizadas e socializar com a população que anseia por informações seguras em um mundo onde as notícias falsas circulam em alta velocidade. Podem também falar diretamente com as pessoas da comunidade esclarecendo dúvidas por telefone, por meio de pequenos vídeos ou de panfletos eletrônicos produzidos com embasamento científico.  

Temos recebido dezenas de telefonemas de amigos e de professores do Ensino Básico buscando informações e querendo saber qual o nosso entendimento sobre o coronavírus, tratamentos e possível evolução da pandemia, sobre quais condutas tomar no tocante ao isolamento social dentro da própria família e como convencer “os teimosos” da família que não querem contribuir com o isolamento. Temos procurado responder com base em nossos conhecimentos enquanto profissionais com formação na área da saúde, nas orientações da Organização Mundial de Saúde e em todos os materiais que temos lido todos os dias. Também temos buscado selecionar textos e vídeos confiáveis e repassado por meio de redes sociais. Este tipo de atividade extensionista é perfeitamente possível neste momento e quanto maior o número de docentes das universidades praticarem-na, mais esclarecida ficará a população. É, contudo, necessário ser criterioso para não repassar “Fake News”.

Profissionais das ciências exatas, econômicas e humanas podem colaborar ajudando governantes, empresários e comunidade a entender os possíveis impactos econômicos e sociais da pandemia por meio de atividades tais como: Analisar artigos sobre a crise e a forma de recuperação em pandemias anteriores; artigos que tratam da atual pandemia em outros países; produção de artigos sobre os reflexos da pandemia em nosso país; entre muitas outras ações que poderão realizar e que o nosso desconhecimento específico das outras áreas não nos permite elencar, mas que temos certeza que existem e que há muitas expertises nas universidades.

Os profissionais da educação, das artes e da comunicação podem ajudar no desenvolvimento de estratégias de abordagem da temática com a população em geral e com os escolares. A educação terá a oportunidade de propor e avaliar ações de ensino à distância para todos os níveis de ensino.

Trabalhos interdisciplinares utilizando a ciência de dados poderão lançar um olhar amplo sobre problemáticas que envolveram pandemias no passado, que envolvem a atual e que poderão estar envolvidas em uma possível futura pandemia.

Vale também refletir que tanto as secretarias de educação dos estados brasileiros, quanto o Ministério da Educação, no Governo Federal, poderiam juntos aos respectivos reitores destas universidades perceber nos seus quadros administrativo, docente e discente uma enorme força de trabalho pronta para tarefas desafiadoras como a que a “saúde pública da nação brasileira em 520 anos de história jamais vivenciou. A administração tem uma organização hierárquica e técnica altamente capacitada, um corpo docente capacitado e, o maior patrimônio cultural, social entusiasmado de uma nação: a sua juventude que cursa o ensino médio, superior e pós graduação. Temos refletido neste isolamento social que está “FORÇA “deve representar o maior contingente de criaturas humanas que o País dispõe nesta hora para difundir ações de educação em saúde pública, mental, espiritual, ética e de cidadania”. Contudo nos parece que este potencial está extremamente subutilizado.

E diríamos mais: isto não é delírio de professor, é apenas uma colocação humilde, simples de quem compreende neste momento a importância do papel transformador do conhecimento que chega ao povo por meio da extensão universitária, e dos conhecimentos científicos que poderão ser sistematizados através das necessidades que a comunidade manifesta nesse momento de tanta incerteza. É aqui e agora nos diferentes “BRASIS” que esta “força tarefa” construída ao longo de décadas pode servir à nação. Extensão tem como preceito básico o planejamento e a organização do conhecimento dos saberes e dos valores no meio da sociedade, com base em métodos científicos. É, portanto, uma forma e uma ferramenta de trabalho já testada.

Há que se pensar inclusive que existem em todas as unidades federativas do país instituições capazes de responder prontamente às necessidades de sua região geopolítica. Queiramos todos entender que juntos seremos mais fortes. Para operacionalizar ações a inteligência humana em todos lugares, quando à ela se juntar a capacidade, experiência, entusiasmo e um profundo sentimento de solidariedade que aflora e aflige o coração de todos, iremos para o campo de trabalho imbuídos da mais profunda certeza: nós, a comunidade universitária, estamos a postos e prontos para vencer os grandes obstáculos da existência e da experiência humana. Por e pelo povo brasileiro, gente humilde, pedaço de humanidade ainda capaz de chorar e sorrir.

[1] O coronavírus representa uma grave e complexa ameaça para a saúde humana. Essa infecção é desenvolvida pelo contágio a partir do novo coronavírus SARS-CoV-2. A doença conhecida como COVID-19, tem seu nome oriundo do inglês “Coronavirus disease 2019”, caracterizada como uma doença infecciosa emergente, identificada inicialmente na cidade de Wuhan, localizada na China (OMS, 2019).