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“A educação pode ser uma importante forma de combater e reduzir os comportamentos desprovidos de valores éticos”, aponta pesquisadora

Você sabia que há estudos na Universidade Estadual de Maringá (UEM) que relacionam ética e corrupção com um recorte da neurociência? A professora Débora de Mello Gonçales Sant’ Ana faz parte do grupo que pensa sobre esse tema e já participou de palestras on-line, promovidas pelos Amigos do Museu Dinâmico Interdisciplinar (Mudi). A apresentação “Neurociência dos Valores: Cérebro Ético X Cérebro Corrupto”, disponibilizada pela professora Débora, fez parte do “Ciclo de Palestras: Neurociência, Neuroética e Cidadania”, realizado no primeiro semestre deste ano.

Segundo ela, que é farmacêutica com mestrado e doutorado em Ciência Biológicas, pela UEM, a neurociência faz parte de “um conjunto de ciências que procura estudar o cérebro. Essa junção de diversas áreas, como anatomia, histologia, biologia celular, psicologia, entre outras, oferece uma visão multi e interdisciplinar de como ocorre o funcionamento do cérebro. Por exemplo, de que forma esse órgão consegue controlar nossas emoções, decisões e memórias, e, em específico, ao recorte temático, como ele pode nos proporcionar escolhas”, explicou a docente do Departamento de Ciências Morfofisiológicas da UEM, que, hoje, atua, também, como pró-reitora de Extensão e Cultura da Universidade.  

Segundo Débora Sant’Ana, em algum momento pode surgir a dúvida se o que de fato nos faz tomarmos escolhas e decisões é o cérebro ou a mente. “O cérebro é o substrato concreto e biológico da mente, pois o funcionamento da mesma é abstrato.” Existe uma relação intrínseca entre os dois, e essa junção de aspectos concretos e abstratos é o que torna o cérebro um órgão tão único e difícil de ser entendido. A partir de todo esse desempenho complexo, o cérebro “nos dá o que chamamos de mente”. 

O cérebro não tem uma forma fixa, está em constante transformação, desde da fase embrionária até a morte. A falta de definição desse órgão se deve ao fato de ele passar pelo processo de transformação da plasticidade, que se refere, exatamente, a essa capacidade que o cérebro tem de se modificar ao longo da vida, passando pela morte de células neuronais e também a formação de novos neurônios. O desenvolvimento cerebral depende de como esse processo acontece, pois, de acordo com a professora, “o ser humano é o resultado daquilo que foi construído durante o processo de crescimento”. 

PALESTRA PODER

Educação – Para a professora Débora (foto acima), levando em consideração a plasticidade cerebral, a educação parece ser uma importante forma de combater e reduzir os comportamentos desprovidos de valores éticos. O processo de aprendizagem em discutir, refletir ou falar sobre determinado assunto, nos faz acessar diversas áreas cerebrais, “tirando do plano da memória, trazendo para o plano racional, elaborando pensamento a este respeito, elaborando linguagem a este respeito, racionalizando o que estamos pensando e falando, e, consequentemente, esse processo de reflexão, já nos traz um potencial de transformação, isso é educação”, detalha a professora.  

Ao focar nesta questão, Débora Sant’ Ana cita a corrupção como uma das atitudes desprovidas de valores éticos. Seja ela na conduta política, que é a de maior destaque atualmente, como também na ação dos cidadãos que compram marcas falsificadas ou ocupam os assentos preferenciais, sem fazer parte do grupo restrito que tem esse direito, no transporte público. Com esses exemplos a palestrante exibe como o comportamento corrupto está presente no nosso dia a dia, não só no espaço político, mas em todas as áreas da sociedade. 

A professora, então, colocou a pergunta: haveria relação entre corrupção e estrutura e função cerebral? Ela lembrou que a ideia de associar comportamento corrupto com o cérebro, tem sido cada vez mais frequente. Vem crescendo, inclusive, a área da neuroética, que estuda o funcionamento cerebral em relação ao comportamento ético, ou sua ausência. Mas o comportamento desonesto, e seu surgimento, podem ser analisados de diversas maneiras, “pelo olhar de diferentes ciências”, sendo alguns deles os fatores sociais, contextuais e cognitivos.

Teorias - Débora Sant’Ana explicou, em primeiro lugar, a teoria do cérebro trino, apresentando os três níveis de organização do cérebro: a área reptiliana, que é responsável pelos instintos; o segundo nível, chamado de mamífero, encarregado pelas emoções; por último, o neocórtex, incumbido da parte racional. Os seres humanos conseguem buscar um equilíbrio entre a busca de prazer imediato e a projeção de prazer, ou vantagens futuras. Porém, alguns tendem a se relacionar de forma mais complicada com o prazer. Muitas ações e coisas podem virar ciclos viciosos, seja sexo, comida, drogas, entre outras coisas. “Dentre esses comportamentos viciosos, que se tornam automáticos e habituais, a mesma coisa pode acontecer com os comportamentos corruptos, que passam a ser realizados sem a percepção do indivíduo. A primeira função dessa palestra é trazer para o plano racional nossos comportamentos e fazer uma autoanálise.”

cerebro trino

A professora ainda falou sobre maturidade cerebral, explicando que o desenvolvimento do córtex pré-frontal é tardio (esquema representado acima). Começa no nascimento, mas ficando em processo de maturação até o final da adolescência, quando, de fato, acontece seu amadurecimento. No córtex pré-frontal está a função de controle inibitório, que como o próprio nome já diz, é inibir certas vontades, ou impulsos. Ele começa se formar a partir dos 2 anos e as crianças vão adquirindo a capacidade de administrar essas demandas, primeiro com a orientação dos responsáveis, explicando o que pode ou não pode, ou mesmo punindo em alguns momentos, até elas conseguirem gerir isso sozinhas”, explicou Débora. 

A maturidade cerebral nos leva à capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. As pessoas corruptas teriam dificuldade de realizar o que os estudiosos chamam da essa simulação. “O sistema de neurônio espelho, mais uma teoria, refere-se à tendência de imitar, ou refletir, o comportamento dos outros, ou seja, num ambiente corrupto, há maior propensão de todos serem corruptos. Esse sistema coativa ações, intenções e emoções em crianças e adultos. As crianças aprendem limites com os pais e professores”, acrescentou a farmacêutica.

Por fim, Débora Sant Ana lembrou que esse cenário todo ainda se relaciona com o equilíbrio bioquímico e alterações nos neurotransmissores. Uma alteração da concentração dos neurotransmissores, serotonina e dopamina, no cérebro, pode resultar em variação na tomada de decisão. “A oxitocina, chamada molécula dos relacionamentos, juntamente com a dopamina e serotonina, são os neurotransmissores mais relacionados ao nosso comportamento moral. “Tudo isso junto, a neurociência explica como o conjunto de fatores que influenciam nas tomadas de decisões”, finaliza Débora Sant’Ana.

 

Serviço

 A professora recomendou a leitura do livro “O erro de Descartes”, escrito pelo neurologista António Damásio. Nele o autor explica a hipótese de marcadores somáticos e aborda como os mecanismos não conscientes parecem exercer um papel mais efetivo nas nossas ações do que os mecanismos propriamente conscientes. 

A live completa está disponível na plataforma do YouTube, para conferir é só acessar o link: https://www.youtube.com/watch?v=6mvRXxh0x9U.

 

Texto produzido em colaboração com a bolsista do curso de Comunicação e Multimeios da UEM, Milena Massako Ito.