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Muito aquém do jardim

Crescimento econômico e demográfico levou para longe o projeto, concebido em 1945, de fazer de Maringá uma cidade-jardim; relação diferenciada com a natureza, porém, persiste

 

Em 1945, o urbanista Jorge de Macedo Vieira recebeu a tarefa de desenhar a planta de uma cidade no norte novíssimo do Paraná. Com base na topografia do local, ele desenhou uma cidade dentro do conceito de cidade-jardim, que norteou o traçado de Letchworth, na Inglaterra, planejada pelo também urbanista inglês e colega de trabalho Richard Berry Parker. Hoje, Letchworth e Maringá estão, respectivamente, nos extremos do que deu e do que não deu certo dentro desse conceito.

O contraste entre a pequena cidade inglesa e Maringá é assunto da pesquisa de pós-doutorado da socióloga Ana Lúcia Rodrigues, coordenadora do Observatório das Metrópoles, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). O assunto e também a potencialidade de Maringá em continuar desenvolvendo bom relacionamento com a natureza serão discutidos esta semana em um seminário na Itália, pelos arquitetos Renato Leão Rego e Carim Schwabe Meneguetti, ambos professores da UEM.

Os elementos que englobam o princípio da cidade-jardim estão impressos, em Maringá, nos bairros mais antigos, que constam da planta inicial. A partir do momento em que a cidade cresce econômica e demograficamente, as características das cidades-jardins sofrem redução. No projeto inicial de Vieira, é possível observar o desenho curvilíneo das ruas -  com distância das configurações geométricas - e a idéia acentuada de convívio com a natureza -  com espaços públicos gramados, rodeados por árvores e arbustos. Esses elementos estão estampados ainda hoje nas zonas 1, 2, 3, 4 e 5.

Já na zona norte, região que não estava contemplada no projeto inicial do urbanista, essas características não aparecem. Ana Lúcia vê divergências entre as duas regiões. "O traço do projeto original de Maringá, com áreas arredondadas, obedece aos parâmetros da cidade-jardim; o que já não acontece no Jardim Alvorada, na Vila Morangueira e na Vila Santo Antônio, onde observamos o desenho de malha xadrez, comum na maioria dos municípios." Na opinião da socióloga, foi a partir da primeira expansão urbanística que Maringá perdeu as características de cidade-jardim. "O crescimento dos bairros significou o rompimento com a inspiração britânica."


Topografia adversa

O arquiteto e professor da UEM Renato Leão Rego explica que a urbanização e o povoamento da zona norte da cidade não seguiu o mesmo traçado do projeto em virtude da topografia do terreno. "Nessa região, o traçado das propriedades era uma faixa retangular e quem tinha uma área rural ali perto transformou o lote em bairro; foi assim que apareceu o desenho quadriculado." É por isso que os bairros ao norte não têm conexão forte entre si, já que não possuem um desenho que os unifique, como se vê nas zonas 1, 2, 3, 4 e 5.

Além da primeira expansão urbanística, Ana Lúcia diz que a explosão demográfica também desvincula Maringá do ideário de cidade-jardim. A elevada densidade populacional, segundo a pesquisadora, impossibilita a construção da utopia da cidade-jardim em Maringá, que proporciona qualidade de vida para todos os moradores, no mesmo nível. A urbanização que o município sofreu ao longo de seis décadas, na opinião da socióloga, é uma via de mão única, sem retorno. "O crescimento urbano é predatório; não preza pelo meio ambiente e deteriora o espaço, pois promove a ocupação sem qualidade urbana para todos os moradores porque os recursos disponíveis são insuficientes para manter a igualdade em todas as áreas", critica. Já Rego, arquiteto e professor da UEM, considera que ainda há chances de haver sintonia entre o traçado urbano de Maringá e o verde, principalmente na zona norte. "De fato, o elo entre urbano e natureza não aparece nessa expansão (zona norte), mas há uma série de potencialidades para que essa relação volte a se estabelecer na cidade."

O modelo fiel de cidade-jardim está restrito, hoje, a quatro cidades britânicas: Letchworth, Stevenage, Hitchin e Baldock. Na Inglaterra, o ideário consegue sobreviver por se tratar de um país desenvolvido e que investe em políticas de bem-estar social.