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Já começo a ter saudades do Benedito

Na manhã do último dia 22, recebi uma triste notícia: a morte de Benedito da Silva, professor do curso de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Parafraseando Mino Carta no prefácio do livro “A Regra do Jogo”, quando recordava o amigo Cláudio Abramo, jornalista como ele e que já tinha deixado este mundo, confesso: começo a ter saudades do Benedito.

Saudade da figura que, lembrando Paulo Francis, era um provocador por excelência. Muitos talvez não tivessem se dado conta disso, mas o Benedito queria mesmo era polemizar, suscitar o bom debate, especialmente nos assuntos ligados à geopolítica.

Foi conversando sobre temas, como o governo Lula, a influência da comunidade judaica norte-americana sobre o presidente dos Estados Unidos, a escravidão africana no Brasil, o ópio da religião tal qual preconizava Marx, entre outras coisas, que, no decorrer dos dias, tornei-me amigo do professor.

Claro que nem sempre comungava com as idéias dele, mas gostava de vê-lo discorrer, com certa eloqüência, sobre um assunto qualquer. Uma ou outra palavra escapava à minha compreensão, não pela incapacidade de interpretar o significado, mas pela dificuldade de entender o que o Benedito pronunciava, tal era a dicção sofrível.

Benedito deixou um séqüito de críticos, alguns em função da língua ferina a respeito de suas opiniões políticas, outros devido ao, digamos, comportamento anti-social, caracterizado, principalmente, pelo ato de soltar gases em qualquer lugar e diante de qualquer um, além do hábito freqüente de roncar. Quem viajava na companhia dele, para dar aulas em Cianorte, no ônibus da UEM, sabe bem o que estou dizendo.

Sempre estive propenso a rotulá-lo de conservador, mas, para ser sincero, fazia esforço para enxergá-lo como um progressista. Na realidade, era difícil entender de que lado estava, embora desconfio que ele não estava de lado algum.

Por exemplo: ao mesmo tempo em que abominava o Bush Júnior e sua forma neoliberal de governar, defendia a cobrança de mensalidade na universidade pública.

Toda vez que retornava de Brasília, para onde ia com certa freqüência, o professor me procurava para falar das “novidades” de bastidores no Congresso e no Palácio do Planalto. Era um homem atento aos problemas da pós-contemporaneidade.

Por várias vezes me deu dicas de leitura, a última delas sugerindo o livro “Ilícito” (Jorge Zahar), no qual Moisés Naim revela os bastidores da lavagem do dinheiro gerado no mundo com o tráfico ilegal de armas, prostituição e drogas ilícitas.

Nos últimos meses, além dos problemas de saúde que enfrentava, vivia queixoso e visivelmente abatido em função das seqüelas deixadas pelo atropelamento que sofreu ao lado do câmpus.

Não bastasse a flatulência, o ronco detonador e os gracejos às vezes não bem aceitos pelas mulheres, contra ele pesava ainda o incômodo odor. A mim pouco transtornava, até porque sabia que o odor era causado pelos medicamentos que tomava.

Benedito costumava dizer que não colocava freios na língua porque sabia que não viveria por muito tempo. Talvez seja por isso também que tenha escrito tantos artigos, alguns publicados neste Diário.

Conversas políticas à parte, passava pela minha cabeça que ele era, no fundo, uma pessoa carente de atenção. Afinal, reconheçamos: a intolerância contra os “diferentes” está cada vez mais intensa.

Homem de esquerda, mas antes de tudo um humanista que sempre procurou ser, tive com o Benedito uma relação de cordialidade e respeito. Lamento que tenha ido sem que eu pudesse ter ouvido seus comentários sobre o recém-iniciado governo Obama, o conflito entre Israel e Palestina, a eleição do próximo presidente do Senado, a reeleição do Silvio Barros e por aí vai. Enfim, destas várias facetas do gorducho com jeito de bonachão já começo a ter saudades.

 

Paulo Pupim
Jornalista, assessor de comunicação da Universidade Estadual de Maringá (UEM