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"Sexo se aprende de criança, na escola "

“Parece mentira, no nono ano do século 21, ainda falar que o professor precisa saber ensinar educação sexual às crianças”. A afirmação é do espanhol Eladio Sebástian Heredero, psicopedagogo e doutor em Educação que participou, como palestrante convidado da Universidad de Alcalá de Henartes, na Espanha, do 1º Simpósio Internacional de Educação Sexual promovido pelo Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que terminou neste sábado.

Em sua palestra, ele apresentou o panorama da educação sexual no país de origem. Professor de didática e organização escolar, Heredero trabalha com educação sexual no contexto do planejamento dos conteúdos que serão discutidos em sala de aula.

Na Espanha, educação sexual é disciplina obrigatória desde 1990. O primeiro contato ocorre na educação básica, a partir do aprendizado da relação entre as pessoas, e continua nos ensinos fundamental e médio, na disciplina “Educação para a cidadania”. Segundo ele, as críticas contra a educação sexual enquanto matéria constante da grade curricular estão mais ferrenhas atualmente do que no momento em que foi implantada, há quase 20 anos.

Na opinião do professor, o preparo dos professores para tratar do assunto em sala e o entendimento do que seja um bom relacionamento sexual estão entre os maiores desafios a serem superados. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

“Nessa idade (de 3 ou 4 anos) até os pais estão mais abertos para falar da educação sexual, ‘olha, a sua irmãzinha não tem a mesma coisa que você’, porque não há malícia. O olhar é fisiológico”

“Conhecer-se significa um olhar diferente e isso abre todas as possibilidades para que as crianças saibam o que está acontecendo com seus corpos...

Se ela (a criança) se conhece, vai ser bem melhor”

O Diário - Em que momento os alunos espanhóis têm acesso à educação sexual?

Eladio Heredero - A disciplina aparece já na etapa infantil. Os conteúdos básicos tratam dos elementos orgânicos e da relação entre as pessoas. Os elementos mais específicos começam quando se iniciam os estudos da matéria “Educação para a cidadania”, no 5º ou 6º ano do ensino fundamental.


O Diário -
Qual é a idade da criança nessa primeira fase?

Eladio Heredero -  Ela pode ter três anos. Nesse momento se ensina simplesmente a noção do corpo, como ele é constituído de maneira diferente no menino e na menina, o que aparece de forma normal dentro da área de autonomia da própria criança.


O Diário - Como é isso?

Eladio Heredero -  Uma das primeiras coisas é que as novas escolas construídas na Espanha têm os banheiros dentro da própria sala de aula. Eles estão separados apenas por um pequeno muro, baixo e com um espelho em cima, permitindo que se veja tudo o que acontece. Não há divisão para menino e menina, e frequentemente um deles, de 3 ou 4 anos pode sair com a calcinha ou a cueca abaixados porque ainda não sabe vestir, ou pedir para a professora que os limpe porque ainda não sabem. Isso acontece de forma natural, do jeito que é em casa entre os irmãos, não há nenhum problema. Dentro dos próprios conteúdos que são dados aparecem os desenhos do corpo humano de ambos. Nessa idade até os pais estão mais abertos para falar da educação sexual, ‘olha, a sua irmãzinha não tem a mesma coisa que você’, porque não há malícia. O olhar é puramente fisiológico, anatômico.


O Diário - Desde quando a educação sexual integra a grade curricular no país?

Eladio Heredero -  A partir de 1990 a disciplina passou a ser obrigatória. Antes disso ela fazia parte dos conteúdos em eixos transversais de todas as matérias. Era a educação afetivo-sexual.


O Diário - Houve crítica no início?

Eladio Heredero -  Sim, mas depois que a disciplina passou a ser obrigatória, o tom das críticas se elevou. Antes, parecia que os professores poderiam ou não dar o conteúdo, agora não. E é nesse momento que começam a aparecer os problemas mais sérios.


O Diário - Quais são eles?

Eladio Heredero -  De dois tipos: o primeiro de aceitação, por parte da sociedade, de alguns temas tabus, a exemplo da homossexualidade e do aborto. Casualmente, temas que estão ligados à uma determinada religião que, no momento, é majoritária na Espanha. Esse é um problema que tem sido tirado do lugar, porque é um tema abordado de diferentes formas e diferente aprofundamento segundo o nível das crianças. Ninguém vai chegar para uma criança de 11 anos, que está na 5º série do fundamental e tratar desses temas com muita profundidade, simplesmente vai-se falar da existência de algumas pessoas e do respeito que a gente deve ter a elas. Como podemos abordar esses temas com quem ainda não tem constituída a própria identidade sexual? De outro lado, temos os professores. Esse simpósio fala muito disso, da falta de preparo dos profissionais e do quanto ainda temos de insistir. Parece mentira, no nono ano do século 21, ainda falar que o professor precisa saber ensinar educação sexual às crianças que temos.


O Diário - Principalmente levando em conta que muitos desses professores são pais. Como estará a lição dentro de casa?

Eladio Heredero -  É complicado, tanto assim que às vezes os temas são deixados de fora na escola. Temos uma experiência que é bem enriquecedora e não é unicamente da Espanha, mas de outros países da Europa. São programas específicos de trabalho na educação sexual em uma ou outra escola que envolvem toda a comunidade escolar, incluindo os pais.


O Diário - E por que levar o tema para a sala de aula? Os pais não estão dando conta de ensinar os filhos?

Eladio Heredero - Os estudos dizem que não. Muitas famílias não abordam o assunto. Do mesmo jeito que tem muito professor que diz ‘eu não tenho prepar o para falar, não sei falar’, acontece a mesma coisa com as famílias. Tanto é assim que o mais grave é que a formação sexual de muitos meninos e muitas meninas é igual, com graves e sérios problemas, porque eles não aprendem direito, sem conhecimento científico. Mas ainda bem que o acesso a algumas soluções, como preservativos e a pílula do dia seguinte é fácil. Pelo menos uma gravidez indesejada pode ser evitada, mas isso não adianta. E os outros problemas derivados das relações sexuais? Desde o mais metafísico, que é o do amor, ao mais físico, que seriam as doenças. Há todo um leque de possibilidades que não é trabalhado e ninguém sabe como falar.


O Diário - Uma das críticas à educação sexual na escola é que ela pode despertar na criança ou adolescente um desejo ainda desconhecido. Isso é fato?

Eladio Heredero - Essa é uma das muitas crenças que envolvem esse tema. Os estudos falam exatamente o contrário. Uma pessoa bem informada vai saber definir, desde o primeiro momento, como devem ser as suas relações, mas sobretudo como essas relações devem de ser. Um menino ou menina informados vai evitar, por exemplo, que aconteçam alguns fatos, do tipo ‘olha, não toca o meu corpo porque eu sei que você está mexendo com o meu corpo’. Há quem não saiba. Quando alguém falar ‘sente aqui no meu colo’, eles terão condições de diferenciar se trata-se de uma gracinha ou uma carícia com intenção diferente. Conhecer-se significa um olhar diferente e isso abre todas as possibilidades para que as crianças saibam o que está acontecendo com seus corpos. Os estudos também corroboram que cada pessoa tem seu momento de amadurecimento sexual, isso vai acontecer, queiramos ou não. Se ela se conhece, vai ser bem melhor.


O Diário - Por que é tão difícil falar de sexo?

Eladio Heredero - Eu não saberia explicar. Se voltarmos milhares de anos atrás, tudo o que pudermos, vamos ver que essa dificuldade existe desde sempre e provavelmente nos acompanhará por muito tempo ainda. Acredito que o aspecto metafísico, moral, carregue grande parte da responsabilidade. Falo da dupla moralidade. Temos uma que nos fala ‘eu gostaria de ser mais aberto’, e eu acho que essa é a a intenção de todos nós quando somos pais. Conversar com o filho, evitar que ele passe pelas mesmas dificuldades em relação à sexualidade. O outro aspecto está vinculado ao que os outros podem falar, às crenças religiosas, ao contexto no qual estamos e que às vezes colocam limites que vão além das nossas intenções e boa vontade para falar do assunto.


O Diário - Falando em moral, até quando a religião vai conseguir interferir no comportamento sexual das pessoas?

Eladio Heredero - A crença no inferno é um problema sério no qual a gente ainda tem que pensar bastante. Nesse momento a Igreja é duramente criticada por posicionamentos muito radicais, como o uso do preservativo, quando as autoridades sanitárias garantem sua eficácia enquanto controle de doenças. Espero, simplesmente, que do mesmo jeito que as teorias de Darwin têm sido reconfirmadas, estas também possam ser.


O Diário - Qual foi a situação mais difícil que o senhor presenciou em sala de aula ou fora dela?

Eladio Heredero - Fiquei chocado com o relato de uma menina a outra. Elas tinham cerca de 14 anos e estavam conversando sobre as primeiras relações sexuais. Uma dizia à outra que, se comesse muita bala, leia-se açúcar, ela poderia ter relações sexuas que não ficaria grávida porque o açúcar elimina a gravidez. Esse absurdo é um dos muitos falados por meninos e meninas e nos faz pensar em como os nossos jovens estão assimilando o que estamos ensinando.

 

Juliana Daibert