O desabafo da Xuxa no
Fantástico, da TV Globo, causou polêmica até nas escolas e
universidades. Não pretendo aqui discutir o passado da loura
apresentadora, nem desqualificar o seu desabafo com a suspeita que ter
sido um ato de "espetacularização" da sua intimidade, ou jogada de
marketing para aumentar a audiência a tevê, etc.
Sem dúvida,
seu desabafo abriu caminho para muita gente sofrida com abuso sexual,
que, agora, autoriza-se denunciar o crime, conversar sobre o assunto,
buscar tratamento.
Haja vista que as denúncias cresceram 30%
após seu depoimento, divulgou a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República. (O Disque 100, é para denunciar violações aos
direitos de crianças, adolescentes, idosos, deficientes, grupos em
situação de vulnerabilidade, ou para obter informações. A pessoa não
precisa se identificar).
Abusos sexuais praticados por adultos
contra crianças sempre existiram. Mas hoje, o estado de direito
conquistado garante segurança ao denunciador.
Enfim, a
sociedade atual parece sensibilizada pelo sofrimento da vítima,
geralmente menor e indefesa. Mesmo assegurada, é um momento delicado
para ela denunciar o agente do abuso sexual (incesto e pedofilia),
porque indiretamente termina denunciando outro adulto que se omitiu ao
socorro.
Convenhamos: é muito pesado para uma criança,
adolescente ou na idade da Xuxa, tomar a decisão de denunciar abuso
sexual cometido por um membro da família ou conhecido.
Um
denuncia intra-familiar tende destruir o que lhe resta. Daí pesar no
íntimo da vítima dúvidas do tipo: por que isso aconteceu comigo? Tomei a
decisão certa de denunciar agora ou deveria ter feito logo no início?
Como será meu futuro daqui pra frente? Devo perdoar ou não?
Contudo, a denuncia de abuso sexual de adultos contra crianças,
especialmente de pais contra filhos/as, contribuem tanto para encorajar
denúncias "reais" como criar um clima "denuncista", que é a reação
histérica daqueles que jamais sofreram abuso. O denuncismo pode destruir
a vida social e moral de pessoas inocentes.
O filme "Acusação"
relata um caso nos Estados Unidos que destruiu a vida psíquica, social
e moral dos donos de uma escola acusados de abuso sexual contra
alunos. Induzidas por uma profissional da escola as crianças imaginaram
–e foi divulgado amplamente - o que nunca ocorreu.
Um
psicólogo denominou de falsa memória. Fato semelhante aconteceu na
Escola Base, em São Paulo, fechada em 1994, quando seus proprietários
foram injustamente acusados de abuso sexual contra uma aluna.
O
leitor pode ver no You Tube o documentário "Falsas lembranças" ou
"Falsas Memórias de Abusos Sexuais"(Peaple & Arts – Discovery), que
analisa vários casos de jovens e adultos terem sido vítimas de abusos
sexuais.
Famílias inocentes foram destruídas pela onda
denuncista, filhos se afastaram definitivamente dos pais porque estavam
convictos de terem sido abusados por eles. Mesmo depois comprovado
inocência dos genitores, persistiu a dúvida e o constrangimento social.
A escola tem um papel importante também nesta situação, desde que
professores estejam preparados para detectar as mudanças de
comportamento nos alunos. Pedagogas, psicólogas e professores precisam
despertar confiança na criança, para ela poder contar algo tão difícil
de se acreditar. Mas jamais induzi-la a contar o que não aconteceu.
O
moralismo presente em muitos profissionais que acusam sem provas pode
ser tão danoso quanto o gesto imoral. Então, quais seriam as
recomendações? Primeiro, é preciso superar o tabu sobre este tipo de
situação: conversar é preciso. Segundo, prudência, para não induzir as
crianças a imaginar "coisas" que existem apenas na cabeça dos adultos.
Terceiro, é preciso preparo profissional de como escutar e conversar
com a criança. Quarto, o procedimento inicial é chamar a família para
passar a limpo, e avaliar os indícios de abuso.
Quinto, encaminhar o caso ao Conselho
Tutelar ou outro órgão público competente, visando proteger a vítima e
barrar a violência. Assim, minha preocupação é dirigida para as
crianças vítimas de abusos, sim, e também para acusações irresponsáveis
aos pais ou responsáveis. Bom senso pra todos!
Raymundo de Lima
Psicanalista, doutor em Educação pela Universidade de
São Paulo ( USP) e professor da Universidade Estadual
de Maringá ( UEM).
http://www.odiario.com/opiniao/noticia/574945/xuxa-e-abuso-sexual/