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Karin Schwabe Meneguetti

Doutora em Arquitetura e Urbanismo diz que é preciso rever a forma com que se trata a cidade e mudar modelo predatório de ocupação.

"Temos uma cidade diferente das demais cidades brasileiras"

Para a professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Karin Schwabe Meneguetti, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU), Maringá está perdendo as características de cidade-jardim. Na avaliação dela, o Novo Centro é um exemplo de plano feito para acomodar interesses imobiliários e que o resultado poderia ter sido outro. "Na aprovação do plano houve mudanças, e os aspectos melhores foram descartados. Então, mais de que a densidade, o pequeno recuo entre os prédios e a falta de espaços livres dentro dos lotes criou essa paisagem que agora está sendo criticada", observa. Ela também aponta a impermeabilização dos lotes urbanos, tanto de propriedade privada quanto os do poder público. "Ou seja, a cidade cresce de forma irresponsável, perdendo aquilo que a diferenciava das demais cidades brasileiras". Confira os principais trechos da entrevista com a pesquisadora que é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, com mestrado em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo.

P.— Maringá foi concebida como uma cidade-jardim, cheia de praças, academias públicas para atividades físicas entre outros benefícios. Como a senhora avalia a cidade hoje, ela está preparada para crescer?
R.— O projeto inicial da cidade tinha uma boa relação entre áreas públicas e áreas privadas, as avenidas e ruas com dimensões compatíveis com a arborização que foi implantada em seguida, os parques nas nascentes dos dois principais rios ao sul, entre outros atributos. Esse projeto garantiu uma certa qualidade urbana que persiste até hoje. Os planos posteriores, principalmente o plano diretor de 1967 e o plano de diretrizes viárias de 1979 mantiveram as larguras das vias e preservaram os vales dos rios. Porém, a alteração no tipo de construção e na forma de ocupação dos lotes desequilibrou a relação entre espaços livres e espaços edificados.
P.— E como isso acontece?
R.— Os lotes atualmente são praticamente 100% impermeabilizados, tanto no centro da cidade, em que os edifícios perderam os limites de altura, quanto nos bairros, em que se pavimenta ou constrói em todo o terreno. Ou seja, a cidade cresce de forma irresponsável, perdendo aquilo que a diferenciava das demais cidades brasileiras.

P.— A cidade é ambientalmente sustentável?
R.— A cidade poderia ser ambientalmente sustentável. As bases foram plantadas pelos planos que eu citei, mas para isso é necessário que se quebre dois paradigmas: primeiro, de que a cidade deve obedecer ao mercado imobiliário; segundo, de que é vergonhoso ter uma cidade melhor que as demais, que isso é excludente. Digo isso porque foram poucas as ações recentes para a melhoria da cidade. Mesmo pequenas intervenções, como ciclovias, são altamente combatidas pela população. O sistema viário, para atender a veículos particulares, ainda tem preferência sobre os espaços livres, para as pessoas. Propõe-se cortar praças para ampliar avenidas, diminuir canteiros para abrigar mais pistas de rolamento, construir mega edifícios em lugares que deveriam ser praças centrais. Isso está na contramão do que o resto do mundo está fazendo. Estamos perdendo nossa arborização, por causa da idade e de doenças, mas também por falta de respeito pelas árvores. Cortar raízes ou galhos inadequadamente resulta em quedas, obviamente. E, se há a necessidade de retirada, por que ainda não temos um plano eficiente de replantio? Trabalhos acadêmicos existem, publicamos nossas pesquisas internacionalmente, mas não há uma resposta na gestão da cidade.

P.— O conceito de cidade verde pode acabar?
R.— Ruas inteiras sem árvores já podem predizer o que será da cidade se não houver o replantio – quente e feia. Uma pequena ação recente que merece ser destacada é a retirada da pavimentação dos canteiros centrais das avenidas. Por outro lado, a impermeabilização da Praça da Catedral foi um retrocesso. A água da chuva precisa voltar ao solo. Por que isto não acontece dentro dos lotes?

P.— Há uma relação entre a paisagem sustentável e a forma como Maringá foi concebida?
R.— Sim, a relação entre o modelo formal adotado – a cidade-jardim – e a paisagem sustentável já foi provada, não só aqui, como em outras cidades no mundo. A paisagem que nos encanta em Maringá é aquela que foi criada pela Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná (CMNP), e que foi por muito tempo respeitada. As praças e os parques, aliados aos canteiros arborizados, e principalmente os fundos-de-vale, dão lugar para a natureza na cidade.

P.— Em sua opinião, como é a relação do maringaense com o ambiente urbano?
R.— Sinto que houve uma mudança significativa em relação aos valores. Há algum tempo as pessoas defendiam as árvores, lutavam pela preservação da qualidade de seus bairros, tinham orgulho da cidade. Hoje vejo uma acomodação, a aceitação do ruim como inevitável. Quando lutamos pela preservação da sede da Companhia Melhoramentos como patrimônio da cidade, ouvimos o representante do Poder Público dizer que o mercado imobiliário já havia decidido pela demolição, como se não fosse papel do Estado a defesa do bem comum. E isso tem se repetido. E as pessoas se adaptam, mudam, se conformam. Cortam a árvore em frente à sua casa e estacionam seu carro sob a árvore do vizinho.

P.— Em sua opinião, as construções em Maringá mantém áreas permeáveis?
R.—Os lotes de São Paulo, por exemplo, têm mais áreas permeáveis que os de Maringá. Se fizermos uma foto aérea do centro da cidade, onde há barracões, comércio, é completamente impermeabilizado em Maringá, apesar de a Lei Orgânica dizer que é preciso pelo menos 10% de área permeável. Os prédios novos ainda passam por fiscalização até terem o habite-se, mas depois a pessoa vai lá e pavimenta porque dizem que é mais fácil cuidar da calçada do que da grama. Em Maringá, o que sustenta a área permeável é só o espaço público, é do portão para fora, porque dentro dos lotes temos uma situação muito ruim.

P.— Pode-se afirmar que há uma urbanização predatória na cidade?
R.— Sim. Há uma ideia de maximização do lucro no mercado imobiliário que leva à produção de loteamentos com o mínimo possível legalmente de espaços livres (ruas, praças, parques), e a ocupação dos lotes com o máximo de área construída, gerando torres incompatíveis com o tamanho do terreno e com o entorno, com a cidade. Os símbolos da cidade – a Catedral e a arborização – nunca são levados em conta na alteração da legislação urbanística. A paisagem ainda é um fator desconhecido para nossos legisladores.

P.— As pessoas percebem essa desconfiguração que ocorre de formas lenta, mas contínua?
R.—Isso será notado depois. Agora que as pessoas estão percebendo que está ficando muito adensado. Demora muito tempo para perceberem o mal que aconteceu. No caso de arborização, por exemplo, há ruas inteiras sem árvores.Temos estudos que mostram que a sombra de uma árvore é mais eficiente que a sombra de uma cobertura construída, porque a árvore troca umidade com o ar. O mundo inteiro já tem estudos, estão retirando avenidas para fazer parques lineares e nós, que tínhamos esse patrimônio, estamos perdendo.

P.— Como a senhora avalia a gestão dos espaços abertos da cidade?
R.— Sabemos que a manutenção das praças, parques, canteiros e fundos-de-vale, requer um orçamento significativo, porém, indispensável. O que eu questiono é a forma de aplicação desses recursos. O plantio de espécies anuais (flores que devem ser regadas e replantadas periodicamente) nos canteiros das avenidas não é sustentável. O mesmo recurso pode ser aplicado no plantio de novas árvores e de vegetação nativa, ou adaptada ao nosso solo e nosso clima, que necessitem menor custo de manutenção. Temos exemplos de plantas bem adaptadas nos nossos canteiros, que poderiam se repetir.

P.— É preciso, então, um projeto para garantir isso?
R.— Há necessidade de um plano de gestão da arborização, por exemplo, em que a madeira retirada possa financiar novas mudas. Que se saiba o que plantar. Hoje o morador planta o que quiser em frente a sua casa. É importante saber que o que faz a exuberância da nossa arborização é o conjunto, a soma das árvores, iguais em cada rua, dando identidade às avenidas. Não se deve tratar das árvores isoladamente.

P.— A educação ambiental é importante nesse contexto de necessidade de preservação da natureza?
R.— É ultra-importante, tem que ser trazida para mais perto das pessoas. É importante a criança saber de sua cidade, dos rios, para onde vai o lixo, para onde vai a água da chuva. Participar disso é legal. E porque não, as pessoas cuidarem das praças? Temos atividades pontuais de levar as crianças para plantar árvores em fundos de vale. Também tenho muita esperança em programas como o Ciência sem Fronteiras que leva muitas pessoas para o exterior. Esses que estão voltando, espero que tragam muitas coisas.

P.— Como a senhora vê a adoção do sistema binário, a construção de ciclovias, alterações nas avenidas centrais? Essas ações podem gerar impactos negativos?
R.— Vejo essas ações como positivas, mostram que a cidade está tentando resolver alguns problemas. Porém, ainda centrada no automóvel. Precisamos urgentemente de ciclovias. E ciclovias seguras. Existe uma demanda reprimida de pessoas que se deslocariam de bicicleta se isso não pudesse lhes custar a vida. Chegamos a um ponto em que já não se pode estacionar na frente do comércio, não há vagas suficientes, então por que não dar condições para a alteração do modo de deslocamento? Também já temos trabalhos acadêmicos nesse sentido, e exemplos pelo mundo.

P.— O novo centro está cheio de prédios, uns perto dos outros. Isso compromete a qualidade de vida? Há uma densidade acima do normal nesta área??
R.— Esse é um exemplo de plano feito para acomodar os interesses imobiliários. O Novo Centro tem uma história complexa e conturbada, mas o resultado poderia ter sido diferente. Houve a ideia de uma galeria coberta que deveria substituir a sombra das árvores que não seriam plantadas sobre o túnel ferroviário, e que deveriam formar um shopping aberto. A gleba central deveria ser totalmente livre, uma grande praça. Isto compensaria em parte a grande densidade. Na aprovação do plano houve mudanças, e os aspectos melhores foram descartados. Então, mais de que a densidade, o pequeno recuo entre os prédios e a falta de espaços livres dentro dos lotes criou esta paisagem que agora está sendo criticada.

P.— Que mensagem a senhora gostaria de transmitir aos maringaenses?
R.— O que eu queria deixar como mensagem é que temos uma cidade diferente das demais cidades brasileiras, e um patrimônio urbanístico respeitado e usado como exemplo por tantas outras cidades. Mas estamos em um ponto crítico, em que esse patrimônio está sendo rapidamente perdido. Há a necessidade urgente de rever a forma com que se trata a cidade, mudar o modelo predatório, valorizar os espaços livres, públicos ou privados, adotar um sistema cicloviário eficiente, manejar as águas pluviais. Nossa cidade merece, nós merecemos uma cidade melhor, com qualidade de vida.


CIDADE VERDE. De acordo com Karin Meneguetti, "as praças e os parques, aliados aos canteiros arborizados, e principalmente os fundos-de-vale, dão lugar para a natureza na cidade." —FOTO: RICARDO LOPES

 

 

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