Professor coleciona carros e abriga estudantes e cachorros
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11/01/2015 às 02:00 - Atualizado em 11/01/2015 às 02:00
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Professor coleciona carros e abriga estudantes e cachorros
- Luiz de Carvalho
A casa de seo Alvino é muito engraçada, tem teto, 12 carros, 20 moradores e cerca de 10 cães
Centenas de jovens, incluindo meninos de rua, foram acolhidos nos últimos 25 anos
Entre os professores da Universidade Estadual de Maringá (UEM)
fala-se que 'ninguém tem tantos carros quanto o Aldevino, ninguém tem
uma casa com tantos cômodos quanto a do Aldevino, nem tantos filhos ou
tantos cachorros'. De que vale tantos cômodos se eles não estiverem
ocupados? Tantos carros se não usá-los? Quanto aos 'filhos' e cachorros,
desconversa explicando que, na verdade, o que tem são muitos amigos. Em
uma coisa todo mundo concorda: Aldevino Ribeiro da Silva, de 63 anos, é
um cara singular, que não se sente numa ilha, mas está cercado por
gente, carros e cachorros por todos os lados.
"Não tenho tanto
carro quanto dizem, tenho só 12. São Pumas, Miuras, Mercedes, Gurgels,
Fuscas, 11 deles têm quase a minha idade. Queria ter uns 40 e bem mais
velhos do que eu, mas não tenho dinheiro para tanto e nem lugar para
guardar", explica. "Os cachorros são só uns 10 ou 12. Ah! Tem uma
ninhada que nasceu nesta semana, mas são cãezinhos comuns, que estavam
aí pelas ruas".
Com relação ao grande número de 'filhos',
Aldevino esclarece que são jovens vindos de assentamentos e acampamentos
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para estudar na
UEM ou outras escolas de Maringá e precisam de um lugar para morar.
Falta
explicar a casa de 14 quartos, 12 banheiros, 3 salas de TV, que já teve
4 cozinhas. É ela que marca o início do estilo de vida singular de
Aldevino, pois lá ele vivia com pais, mulher e filhos, mas depois que a
mulher e os pais faleceram e os filhos casaram, o professor ficou
sozinho na imensa casa e decidiu repovoá-la. Hoje, ela é a casa com mais
moradores do bairro e possivelmente de Maringá.
Extensão do assentamento
A vida do professor Aldevino Ribeiro da
Silva nem sempre foi assim. Ele mudou-se para Maringá no início dos anos
80 para lecionar Psicologia da Educação na UEM, construiu a casa na Rua
Professor Itamar Orlando Soares, em frente ao campus da universidade -
basta cruzar a rua para chegar ao trabalho – e, no começo dos anos 90,
junto com um grupo de professores, decidiu ajudar jovens de um
acampamento do MST - que estava sendo implantado em Paranacity. "Os
meninos e meninas precisavam estudar e decidimos alugar uma casa na Vila
Esperança para abrigá-los", explica. "A gente pagava o aluguel e a
alimentação. Este movimento despretensioso cresceu e deu origem à Escola
Milton Santos de Agroecologia."
Quando Aldevino ficou sozinho na
casa, houve consenso para que deixassem de pagar aluguel na Vila
Esperança e todos fossem para a casa dele. De lá para cá, já se contam
às centenas os estudantes que moraram na casa. São católicos,
evangélicos, umbandistas, corintianos, santistas, flamenguistas, amantes
de bossa nova, jazz, rock, sertanejo. Enfim, a casa é um espaço
democrático, onde todos se juntam para fazer limpeza, arrumação, comida.
"Como a cada dia é um que faz a comida, a cada vez temos um prato com
tempero diferente", diz o professor Abdala Meri, que também ajuda a
cuidar do grupo.
Nestes quase 25 anos, passaram pela casa pessoas
que hoje são advogados, professores, agrônomos, zootecnistas e outros
profissionais de nível superior. Teve até um secretário municipal de
Maringá. Atualmente, 20 jovens de diferentes cidades paranaenses moram
na casa de Aldevino, dividindo espaço também com jovens que foram parar
lá depois que o professor fez um curso de doutorado com uma pesquisa
sobre meninos e meninas de rua. "Todos são tratados da mesma forma e uma
das vantagens é que temos aqui uma extensão de nossa casa, vivemos como
uma família", diz Lilian de Lima, 24 anos, que chegou para estudar
Zootecnia e com ela estão também a irmã Natieli, que estuda Geografia e
trabalha na biblioteca, o irmão Emerson Diego, que está terminando o 2º
grau, e a filha Beatriz, de 5 anos.
Segundo Lilian, os pais
preferem enviar seus filhos para a casa democrática do professor
Aldevino por saberem que lá eles se sentirão em casa, terão um ambiente
seguro, saudável e sem más influências. É o caso de Fernanda, de 18
anos, que chegou à casa quando tinha apenas 12 anos. "Como aqui temos
tarefas no dia a dia, crescemos com noção de responsabilidade", diz o
estudante do 3º ano de Agronomia Aarão Fabrício dos Santos, vindo de
Paranavaí. "Temos tarefas, mas também temos direito a tudo. Tudo, menos
mexer nos carros do professor."
O IMÓVEL
14 quartos, 12 banheiros e 3 salas de tevê
A residência abriga hoje cerca de 20 jovens, mas em outros tempos foi a morada de 30.
CASA
DEMOCRÁTICA. Na casa do professor Alvino é assim: todo mundo ajuda nos
afazeres domésticos e é tratado da mesma forma. Carros, pessoas e cães,
há espaço para todos. —FOTO: JOÃO PAULO SANTOS
Paixão antiga lota o pátio
"Desde que era garoto, lá em São
Paulo, passava em frente à fábrica da Puma, via aqueles carros lindos e
ficava sonhando em um dia ter um", conta o professor Aldevino. Sonhou
tanto que o sonho virou realidade e, quando acordou, era proprietário de
um Puma 81, conversível, com tudo original.
Até hoje é o carro
preferido do professor, que depois comprou um Miura, outro Puma, outro
Miura, uns três modelos da Gurgel, Fusca, Variant. Já teve muitos
carros, todos antigos. Hoje são 12 espalhados pelo quintal, e entre eles
chama a atenção um Mercedes branco, conversível. O curioso é que a
carroceria é feita em fibra de vidro, mas, o que pouca gente percebe é
que não é um Mercedes verdadeiro. Trata-se de um Fênix, uma réplica do
modelo 79 da Mercedes, montada no Brasil.
A maioria dos jovens da
casa sonha em um dia poder dirigir os carros do professor, sonho que
Aarão está vendo virar realidade. Ele tem tido a honra de ser chamado
para, uma vez por semana, ajudar o colecionador a colocar os carros na
rua. "Qualquer hora destas dou a volta no quarteirão", brinca.
http://digital.odiario.com/cidades/noticia/1257488/professor-coleciona-carros-e-abriga-estudantes-e-cachorros/