Walter Fernandes / Gazeta Maringá
Trabalho do professor Mauro Baesso pode contribuir com cirurgias oftalmológicas
Universidade desenvolve inovações tecnológicas que poderiam ajudar muitas pessoas, mas a comercialização depende de burocracia e do interesse da iniciativa privada
Um vidro especial que transmite a radiação infravermelha em comprimentos de ondas capaz de cortar a pele é a única patente válida da Universidade Estadual de Maringá (UEM) na atualidade e a segunda obtida pela instituição ao longo dos 41 anos de existência. Pode parecer pouco, mas o número revela, por um lado, a burocracia existente para se lançar um produto de pesquisa no mercado e, por outro, a persistência de professores em levar projetos científicos, mesmo diante de uma série de adversidades.
O projeto do vidro, desenvolvido em 1996 pelo professor pós-doutor em Física pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, Mauro Baesso, teve a patente depositada três anos depois e, em 2007, recebeu, enfim, a titularidade da invenção por parte do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi), válida por 20 anos. A outra patente, já comercializada, é a do adoçante natural estévia.
A estévia é da universidade
A primeira criação patenteada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) foi a estévia, na década de 1980. A Stevia rebaudiana é uma espécie nativa da região fronteiriça entre Brasil e Paraguai, muito utilizada pelos índios para adoçar chás e poções medicinais. Em 1979, um grupo multidisciplinar coordenado pelo doutor em bioquímica Mauro Alvarez passou a estudar aspectos relativos à segurança de produtos de estévia, além de desenvolver tecnologias que permitiram a exploração comercial do esteviosídeo (adoçante natural).
Alvarez, falecido em 2007, criou o Núcleo de Estudos em Produtos Naturais (Nepron) em 1985, que até hoje tem como carro-chefe as pesquisas com a estévia e foi pioneiro no processo de transferência de tecnologia para a iniciativa privada. A empresa Ingá Stevia Industrial, hoje Steviafarma, tornou-se a primeira indústria a produzir o esteviosídeo no ocidente a partir de agosto de 1988. (J.D.)
UEM tem 70 pedidos de patentes
Hoje, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) mantém 70 pedidos de patentes no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi), a maior parte nas áreas de Farmácia e Química. O estudo que precede a concessão da patente dura de oito a dez anos. A concessão confere ao inventor e à instituição a autoria do invento e autoriza a negociação com empresas.
O atual coordenador do Núcleo de Estudos em Produtos Naturais (Nepron), Silvio Claudio da Costa, defende a interação entre academia e mercado em situações pontuais para a solução de necessidades específicas, independentemente da burocracia. “Nem todas as soluções precisam ser patenteadas”, diz.
Nos últimos sete anos, o Nepron firmou 136 contratos com empresas. A instituição conta ainda com 696 projetos de pesquisa cadastrados ou em andamento atualmente. (J.D.)
A partir do material criado pelo físico, que já mereceu a publicação de mais de cem artigos em periódicos internacionais, três protótipos de lasers foram produzidos – dois na Universidade de São Paulo (USP) e um na Universidade Claude Bernard Lyon 1, de Lyon, na França. Todos os três atestam a viabilidade do invento, mas, para sair da universidade e entrar nos centros cirúrgicos oftalmológicos, principal indicação do laser que pode ser desenvolvido com o vidro especial, a palavra final é da indústria.
Mesmo que o produto não seja comercializado – o Brasil ainda não possui indústrias que fabricam lasers, que poderiam se utilizar da invenção -, Baesso diz acreditar que cumpriu a própria missão. “O papel do pesquisador é desenvolver a ciência e formar recursos humanos. E estas metas foram alcançadas.”
Qualificação
Para quem está fora da academia, a afirmação do físico pode soar simplista. Afinal, qual é a utilidade de tanto investimento de tempo e recursos em pesquisa – no laboratório onde Baesso e alunos dele trabalham há cerca de US$ 2 milhões em equipamentos - em algo que corre o risco de trazer nenhum benefício à sociedade? “Os grandes avanços não se dão de uma hora para outra”, diz a diretora de Pesquisa e coordenadora do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da UEM, Valéria Cavalcanti.
Segundo ela, fazer ciência é um processo complexo e, por isso, o primeiro passo para as universidades é ter profissionais qualificados para tanto.
Na UEM, a caminhada em sentido ao desenvolvimento tecnológico, a partir de investimentos em pesquisa e na qualificação de professores, teve início no final da década de 1980. A própria Valéria, doutora em Matemática, é testemunha dessa fase. Em 1989, quando chegou do Rio de Janeiro a Maringá, o curso de Matemática oferecia apenas habilitação em licenciatura. Hoje estão incluídos a habilitação em bacharelado e os cursos de mestrado e doutorado.
E é graças ao investimento em pesquisa, um dos pilares de qualquer instituição de ensino de qualidade, que a UEM possui profissionais do quilate de Baesso no corpo docente e na linha de frente de pesquisas como a que deu origem ao vidro especial. “O país acordou para o fato de que o investimento na capacitação docente tem retorno garantido [embora nem sempre seja acatado pela indústria]”, afirma Valéria.
Em 1989, a universidade deu início ao programa institucional de bolsas de iniciação científica e, em 2007, começaram as primeiras cotas de bolsas de iniciação em desenvolvimento tecnológico e inovação, que faz parte do movimento de desenvolvimento tecnológico da UEM.