Invasão das tilápias pode virar lei
O bom pescador sabe que quando se fisga uma tilápia é preciso manuseá-la com cuidado. Num piscar de olhos, esse peixe espinhoso e arisco pode ferir a mão com seu dorsal repleto de espinhos pontiagudos. Apesar de vir da África, trata-se de uma espécie adaptável e rentável para a criação. Prolifera-se rapidamente e é bem-sucedida em ambientes alterados e pobres em recursos alimentares, como os represamentos de hidrelétricas. Compará-la com a produção de peixes nativos é o mesmo que trocar ouro por cascalho. Por isso, preocupa a possível aprovação do Projeto de Lei 5.989/09 do deputado Nelson Meurer (PP-PR), que pretende liberar a criação de peixes exóticos como a tilápia e a carpa em tanques-redes de reservatórios hidrelétricos.
Até agora, isso só é permitido em locais onde essas espécies estão comprovadamente estabelecidas. Segundo os pesquisadores, se ele for aprovado, dessa vez a tilápia poderá ferir o próprio ecossistema aquático, reduzindo a biodiversidade em águas doces. A nova proposta altera a Lei nº 11.959/2009 responsável pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Ela já tramita em caráter conclusivo na Câmara, podendo ir a plenário nos próximos dias para análise pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para tentar barrar o projeto de Meurer, especialistas organizaram uma petição pública.
Riscos de invasão
“A tilápia e a carpa estão entre as 100 piores espécies invasoras do mundo”, alerta Dilermando Lima, que pesquisa sobre ecologia aquática na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ele conta que a introdução de espécies é a segunda maior ameaça para a diversidade biológica mundial, ficando atrás somente da destruição de habitats, e o que é mais grave, “invasões aquáticas são praticamente impossíveis de serem controladas”. Os produtores garantem que a técnica em tanque-rede é segura por impedir que os peixes escapem para fora dos locais de criação. Mas os especialistas negam e afirmam que podem ocorrer escapes de peixes.
Especialista em invasões biológicas em ecossistemas aquáticos, Mario Orsi, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), ressalta que o processo de invasão de espécies na natureza acontece com quantidades pequenas de indivíduos e por isso é lento, pode levar milhões de anos. A ação do homem pode impor ou acelerar brutalmente essas transformações. Ele acredita que ao abrir as portas para que peixes-exóticos adentrem as bacias hidrográficas nacionais, o projeto de lei de Meurer pode causar um estrago na qualidade biológica dos rios brasileiros. “Ecossistemas inteiros podem ser modificados pela entrada de espécies não nativas e, inclusive, reduzir a biodiversidade. Nos ambientes aquáticos esses efeitos são potencializados e difíceis de serem detectados no início”, lamenta. Orsi aproveita para lembrar que a nova lei vai contra a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992), assinada pelo Brasil, que compromete o país a proibir e coibir a invasão de espécies exóticas.
Para piorar, inicialmente o projeto listava cinco espécies exóticas (de tilápias e carpas) que seriam permitidas, mas, depois de revisões, deixou ao encargo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) determinar quais peixes serão liberados. “Sabemos que eles querem a tilápia, mas com essa brecha fica ainda mais difícil controlar o que pode entrar nos rios”, diz Fernando Pelicice, do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Questionado pelo ((o eco)) sobre o projeto, o Ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella não quis se pronunciar, alegando que o projeto de lei está em “fase de tramitação no Congresso Nacional, podendo sofrer alterações”. Crivella apenas ressaltou que o “MPA tem atuado em conjunto com o Ministério de Meio Ambiente (MMA) e os órgãos ambientais estaduais para o desenvolvimento sustentável da atividade aquícola no país”.
Você Sabia?
Apelidadas de oportunistas, tilápias têm alta capacidade de proliferação
e, em geral, são melhores sucedidas em ambientes com poucos recursos
alimentares. Elas também se alimentam de ovos e larvas de peixes nativos
e são transmissoras de doenças que podem afetar outras espécies.
http://www.pescaconsciente.com.br/2012/04/17/invasao-das-tilapias-pode-virar-lei/